A opinião dominante é a primeira, a qual parte do pressuposto de que as expectativas relativas à educação seriam anteriores a quaisquer outras expectativas.
Tornou-se comum atribuir à educação (ou melhor, à falta dela) toda e qualquer mazela que se identifique na sociedade.
Contingentes alentados de eleitores continuam a votar em ladrões contumazes, representantes de oligarquias jurássicas e assim por diante? É culpa da educação.
Parlamentares usam o mandato para abiscoitar granas diversas, contratar cupinchas às custas do dinheiro público, enviar namoradas, parentes e amigos para lugares aprazíveis? É o nível educacional.
Flanelinhas achacam motoristas e a polícia não faz nada? É certamente problema da educação.
Empresas privadas fazem o que querem do consumidor, que permanece inerte, sem reclamar? É porque a formação do consumidor é precária.
Já que o nível educacional afeta todas as interações sociais, e já que a educação no Brasil é de baixa qualidade, segue-se que se resolveriam inúmeros problemas pelo expediente de melhorar a educação.
Não é bem assim. Educação é decerto uma condição necessária para se desenvolver consciência política, ou noções a respeito dos direitos básicos de um cidadão, incluindo-se o direito de não ser garfado pelo Estado ou por empresas. Em outras palavras, sem educação não é possível nem uma coisa nem outra.
Contudo, educação não é uma condição suficiente para se atingir tais objetivos. Ou seja, não basta educar, ou tentar educar. Outras condições precisam estar presentes, em particular econômicas. Não se pode ser “cidadão” na miséria.
Mas continuemos.
É certamente verdadeiro que seria bom se todo mundo tivesse educação de boa qualidade.
É também verdade que não se obtém educação de boa qualidade sem investimentos.
Daí o senso comum conclui que o problema do Brasil é que não se investe o suficiente em educação. A solução, portanto, seria investir mais.
Poucos se dão ao trabalho de se perguntar quais são as condições que um país qualquer deve cumprir para que possa investir mais em educação.
Diferentemente do que aprecia o senso comum, tais condições não decorrem de “vontade política”, expressão essa, aliás, de pouco significado — “vontade política” se traduz em orçamento; havendo orçamento há “vontade política” e vice-versa.
Nenhuma sociedade investe na educação para que as pessoas sejam felizes, ou para desenvolver a sua cidadania. Faz-se isso caso exista noção clara a respeito de por quê, materialmente, se quer educar. Por menos que seja agradável aos que enxergam na educação uma espécie de missão humanística, na prática educa-se para formar pessoas que, no futuro, ocuparão postos no mercado de trabalho para cumprir funções bem determinadas.
E isso depende de planejamento econômico, não de qualquer outra coisa.
O exemplo cansativamente repetido da Coreia do Sul, que investiu pesadamente em educação, costuma suprimir o fato de que a reforma educacional coreano não aconteceu no vazio, mas se processou como capítulo do programa de desenvolvimento adotado pelo país.
Como o Brasil não tem plano de desenvolvimento, a demanda por educação de boa qualidade não se exprime. Pior ainda, mesmo sem perspectiva de futuro a demanda por pessoas qualificadas é minúscula, porque aqui não se inventa nada, importa-se quase tudo.
Empresas industriais se transformaram em maquiadoras de produtos desenhados fora. Quando se ouve falar da “indústria” tal ou qual, no mais das vezes não é de fato uma indústria, mas uma empresa comercial.
A capacidade brasileira de adicionar valor agregado ao que se produz é irrisória.
O número de patentes brasileiras registradas nos EUA (que é o indicador geralmente aceito para a capacidade de inovação de uma economia) é o mais baixo dos países emergentes, e mais baixo do que muitos subdesenvolvidos.
Com isso, o mercado de trabalho brasileiro demanda vendedores, intermediários e indivíduos capazes de replicar algumas rotinas em processos produtivos e de distribuição formulados em outro lugar. São funções que não têm grande necessidade de educação.
Em outras palavras, a educação brasileira é ruim porque a economia brasileira não tem necessidade real de gente qualificada. Se tivesse, exerceria pressão sobre o sistema educacional.
Enquanto não se compreender que não existe futuro sem desenvolvimento, e se imaginar que se pode construir uma sociedade melhor somente com palavras de ordem bem-soantes mas objetivamente inócuas, como é o caso do discurso dominante sobre educação, permaneceremos na mesma.
Claudio Weber Abramo
Claudio Weber Abramo é diretor executivo da Transparência Brasil. Bacharel em matemática (USP) e mestre em filosofia da ciência (Unicamp). Antes de juntar-se à Transparência Brasil, sua principal atividade profissional foi na área de comunicação e, nesta, no jornalismo. Organizou o livro A Regra do Jogo, do jornalista Cláudio Abramo, seu pai. Colabora freqüentemente com a imprensa e é autor de artigos em publicações especializadas a respeito do tema da corrupção e seu combate.
Fonte: http://colunistas.ig.com.br/claudioabramo/